004. Preservação das escrituras
🔖 Notas_de_estudo,Apologética_e_históriaOrigem
O texto bíblico original é considerado inerrante e é a única norma de fé aceita por cristãos protestantes e evangélicos.
Não possuímos nenhum dos autógrafos. Isso significa que não possuímos nenhuma carta original escrita por Paulo ou por nenhum dos evangelistas. O que temos são cópias. Acreditamos que os originais foram copiados até se desgastarem e provavelmente não sobreviveram ao final do primeiro século.
Uma boa notícia é que a Bíblia é o livro com o maior número de manuscritos preservados (cópias escritas à mão). Existem aproximadamente 15 mil manuscritos, sendo a maior parte deles fragmentos. Um número significativamente maior do que qualquer obra secular.
A maioria dos manuscritos está datada de mais de um milênio após os originais, embora a quantidade de manuscritos mais antigos (anteriores ao século V) também exceda a de qualquer outro livro.
O problema é que não há dois manuscritos idênticos. Todos possuem versos a mais ou a menos, diferenças na grafia, palavras trocadas e erros de ortografia (que algumas vezes alteram o sentido do texto).
Como podemos lidar com essas variações e assegurar que o texto resultante seja semelhante ao original?
Tipos-texto
Uma abordagem consiste em classificar os manuscritos em tipos-texto, que representam grupos de manuscritos semelhantes originários de uma mesma região e período.
Principais Manuscritos
Nenhuma doutrina ou perícope é alterada em qualquer um dos manuscritos. Atualmente, todas as bíblias cristãs utilizam o texto massorético como referência, porém consideram outros tipos de texto quando estes indicam a existência de um texto mais próximo do original.
Em trechos onde os tradutores se encontram incertos, recorre-se a traduções antigas em idiomas relacionados ao hebraico, como aramaico, siríaco e copta, para determinar quais eram as palavras originais do texto.
Antigo Testamento
11. Study Notes/A - Apologética & História/088. Manuscritos do Antigo Testamento
Novo Testamento
11. Study Notes/A - Apologética & História/087. Tipos-Texto do Novo Testamento
História das versões traduzidas
Igreja primitiva (século I-IV)
Naquela época, havia poucos cristãos alfabetizados, o custo para criar uma cópia era extremamente alto (uma cópia do evangelho de Marcos custava dois anos de salário de um trabalhador braçal) e a produção de novos livros era demorada.
Para tornar as coisas ainda mais complicadas, os livros do Novo Testamento foram escritos em diferentes lugares ao longo de sessenta anos. As principais igrejas do Império só teriam todos os livros mais de cem anos depois.
Durante as perseguições, muitos cristãos eram obrigados a viver em esconderijos e tinham dificuldade de acesso a materiais de escrita. Quando eram descobertos, seus textos eram incinerados.
Apesar de todos os desafios, os cristãos primitivos conseguiram difundir as Escrituras por todo o Império Romano e além de suas fronteiras.
A ênfase desses cristãos no estudo das Escrituras resultou em um crescimento considerável na procura pela alfabetização, inclusive entre as classes mais baixas. Ele também tornou o formato de codex (um tipo de livro antigo) bastante popular, pois era muito mais prático de consultar do que um rolo.
Possuímos vários fragmentos desse período, principalmente do Egito, nas áreas mais áridas, enquanto nas demais partes do Império, a umidade eliminou todas as cópias.
O papiro, sendo mais acessível que o pergaminho, tornou-se bastante utilizado nesse período. Embora os fragmentos que possuímos sejam muito valiosos, eles são claramente mais primitivos, apresentando pouca técnica, muitos erros ortográficos e linhas puladas ou repetidas. Todos são do tipo de texto alexandrino.
Bases textuais
Os cristãos primitivos usavam a Septuaginta como versão do Velho Testamento. Os pais da igreja frequentemente afirmavam que os rabinos priorizavam os rolos com versos que continham leituras alternativas mencionando o Messias. Por essa razão, o tipo-texto massorético era utilizado raramente.
Em 331, quando Constantino permitiu a prática do cristianismo, ele ordenou a produção de 50 cópias da Bíblia em pergaminho. Acredita-se que duas das Bíblias completas mais antigas que possuímos atualmente, a Sinaiticus e a Vaticanus, sejam desse período. O pergaminho possui uma durabilidade notável, e o Codex Sinaiticus era utilizado por um monge até o ano de 1761.
Este projeto provavelmente foi muito caro, já que a produção de somente uma cópia exigiria a pele de dezenas de animais e cerca de dois anos de trabalho de um escriba, uma profissão bastante valorizada. Em moeda atual, cada exemplar custaria facilmente mais de um milhão de reais[1].
As Versões Coptas: As Versões Coptas são versões da Bíblia traduzidas para o copta, idioma utilizado pela Igreja Egípcia. A versão copta mais conhecida é a Sahidic, datando do século III d.C. O tipo-texto Alexandrino é frequentemente corroborado pelo texto copta.
A Peshitta: A Peshitta é a versão siríaca padrão da Bíblia empregada pela Igreja Cristã Siríaca. Ele data do século VI d.C. sendo traduzido diretamente dos textos hebraicos e gregos originais. O tipo-texto bizantino é frequentemente apoiado pela Peshitta.
Cânone
A formação do cânon foi um processo gradual, ao levar várias décadas até que todos os livros fossem disseminados. Existiram livros que foram considerados canônicos por algumas regiões e não por outras, como o Pastor de Hermas e 1 Clemente, ao passo que outros livros, como 2ª Pedro e Judas, também geraram controvérsias. No entanto, a igreja pôde discernir, no geral, quais livros eram inspirados pelo Espírito e quais não eram.
Ao contrário do que se pensa popularmente, não houve um concílio onde o Cânon foi fechado. Uma das lendas urbanas afirma que o Imperador Constantino estabeleceu o cânon da Bíblia durante o Concílio de Nicéia. Essa declaração não possui fundamento histórico. Nem mesmo a composição do cânon foi debatida em Nicéia. O livro de ficção Código DaVinci deu origem a essa teoria.
Igreja Católica (século IV-XV)
Houve um avanço nas técnicas e tecnologias de produção de cópias durante a Idade Média. Ao passo que um copista da igreja primitiva dispunha raramente de duas fontes para consulta, os mosteiros medievais possuíam bibliotecas extensas. Os monges dispunham de tempo ilimitado para aprender e aprimorar a técnica, enquanto a Igreja Romana contava com recursos abundantes para a aquisição de pergaminhos e outros materiais necessários à produção de códices.
Os scriptorium foram formalizados, e os copistas aprimoraram várias técnicas para minimizar erros e revisar textos.

Ao final da Idade Média, as Bíblias haviam evoluído a ponto de não existirem mais tipos-texto distintos. O texto se consolidou no tipo bizantino. Isso se deve ao fato de que este já era o tipo de texto utilizado na Igreja Ortodoxa, que falava grego. No Ocidente, região em que predominava o tipo-texto alexandrino, a produção de cópias da Bíblia em grego foi diminuindo gradativamente com a substituição do grego pelo latim como língua predominante.
Vulgata Latina
São Jerônimo finalizou a Vulgata, uma versão da Bíblia em latim, no final do século IV d.C. Durante séculos, a Igreja Ocidental utilizou a tradução padrão, que teve um papel importante na formação da fé cristã na Idade Média. Jerônimo baseou sua tradução nas fontes originais hebraica e grega, visando criar uma versão fiel e precisa da Bíblia em latim que fosse acessível ao público geral (ou seja, na língua vulgar).
A Vulgata logo se tornou a versão da Bíblia mais utilizada na Igreja Ocidental, e seu impacto ultrapassou os limites do âmbito religioso.
Embora fosse popular, a Vulgata suscitou controvérsias. Especificamente, alguns críticos alegaram que Jeronimo trouxe novas interpretações ou significados ao texto, ou que foi excessivamente livre em suas traduções. Durante a Idade Média e o Renascimento, essas controvérsias persistiram, com estudiosos discutindo frequentemente os méritos de diversas traduções e tradições textuais.
Por ser uma tradução para o latim, a Vulgata não se enquadra nos tipos-texto alexandrino ou bizantino. Contudo, a Vulgata, traduzida por São Jerônimo a partir de fontes hebraicas e gregas, pode apresentar, em alguns casos, leituras alinhadas aos tipos-texto alexandrinos ou bizantinos, embora reflita, na maioria das vezes, leituras alexandrinas.
Reforma Protestante (séc. XV - 1867)
Em 1516, o humanista holandês Desiderius Erasmus publicou a Bíblia de Erasmo, também chamada de Novum Instrumentum, um texto crítico do Novo Testamento. Erasmo buscou utilizar os manuscritos mais antigos à disposição, porém só teve acesso a cinco deles, todos posteriores ao século X e exclusivamente do texto bizantino.
A Bíblia de Erasmo exerceu um impacto significativo na Reforma Protestante, sendo o primeiro texto grego amplamente acessível na Europa. Personalidades como Martinho Lutero e Guilherme Tyndale utilizaram-na para traduzir a Bíblia para línguas vernáculas.
Posteriormente, em certos círculos, essa bíblia foi considerada o Textus Receptus (texto recebido) definitivo, ou seja, uma cópia perfeita e sem erros dos textos bíblicos.
Na realidade, os reformadores nem tinham conhecimento da existência de outros tipos-texto.
Traduções para idiomas populares
A tradução de Tyndale é uma versão antiga da Bíblia em inglês, realizada por William Tyndale, um acadêmico e teólogo do século XVI. Tyndale foi um dos principais líderes do movimento de reforma protestante. A tradução de Tyndale resultou na primeira Bíblia em inglês traduzida diretamente dos textos hebraicos e gregos, com exceção do Novum Instrumentum de Erasmo, que foi o único disponível. Essa tradução foi finalizada em 1535. Além disso, foi a primeira versão em inglês do Novo Testamento a ser publicada. William Tyndale foi executado por ter realizado uma tradução que não estava sob o controle da Igreja da Inglaterra.
A Bíblia de Genebra foi uma versão em inglês da Bíblia lançada pela primeira vez em Genebra, Suíça, no ano de 1560. Foi resultado do exílio de protestantes ingleses que se refugiaram em Genebra durante o reinado da Rainha Maria I. A primeira tradução da Bíblia em inglês a incluir números de versículos foi a Bíblia de Genebra, facilitando a referência a passagens específicas. Além disso, foi a primeira Bíblia em inglês a oferecer extensos recursos de estudo, incluindo anotações, referências cruzadas e mapas. A Bíblia de Genebra exerceu uma grande influência na formação do protestantismo inglês e foi adotada por diversas personalidades importantes, como William Shakespeare, John Milton e os peregrinos que viajaram para a América a bordo do Mayflower. A Bíblia de Genebra foi superada pela Bíblia King James no século 17, porém sua influência na língua e na literatura inglesa permanece até os dias atuais.
A Bíblia de Lutero é uma versão da Bíblia em alemão finalizada por Martinho Lutero no ano de 1534. A tradução de Lutero foi a primeira versão completa da Bíblia em alemão fundamentada nos textos originais hebraico e grego, exercendo um impacto significativo no desenvolvimento da língua alemã. Um fator essencial da Reforma Protestante foi a Bíblia de Lutero, que contribuiu para que as pessoas comuns tivessem acesso ao livro e teve um papel importante na disseminação dos ensinamentos de Lutero. A tradução de Lutero também se destacou por sua linguagem acessível e descomplicada, tornando-a mais fácil de ler e entender para pessoas sem formação acadêmica avançada. A Bíblia de Lutero permanece como um relevante artefato cultural e religioso na Alemanha, sendo ainda muito lida e estudada nos dias atuais.
Bíblia King James
A Bíblia King James é uma versão histórica da Bíblia em inglês, finalizada em 1611 durante o governo do rei James I da Inglaterra. Em resposta às críticas crescentes em relação às traduções inglesas da Bíblia, o rei encomendou uma nova tradução com o objetivo de oferecer uma versão mais precisa e legível das escrituras. A Bíblia King James se baseou em traduções inglesas precedentes, como a Bíblia de Genebra e a Bíblia dos Bispos, além de ter recebido considerável influência dos estudiosos gregos e hebraicos que analisaram os textos bíblicos originais (referindo-se ao Novum Instrumentum de Erasmo). Um comitê de 54 estudiosos foi responsável pela tradução, dividindo-se em grupos para traduzir as diversas partes da Bíblia. O texto resultante se destacou pela sua clareza, elegância e impacto linguístico duradouro.
A tradução da Bíblia em inglês mais lida e influente foi a Bíblia King James, que teve um papel importante na formação da língua e da literatura inglesas. A tradução foi caracterizada como “majestosa” e “poética”, e várias de suas frases e expressões idiomáticas foram incorporadas ao inglês. Particularmente apreciada pelos puritanos ingleses, a Bíblia King James tornou-se posteriormente a versão oficial da Igreja da Inglaterra, solidificando sua posição na história religiosa e cultural do país.
Embora tenha sido popular por muito tempo, a Bíblia King James não recebeu elogios unânimes quando foi publicada. Enquanto alguns acadêmicos o criticaram por se basear em traduções prévias para o inglês em vez de utilizar os textos originais, outros reprovaram o uso de linguagem antiquada e a inserção de termos e expressões considerados ofensivos ou inadequados. A Bíblia King James, entretanto, permanece como uma das traduções mais relevantes e impactantes da Bíblia na história inglesa, sendo ainda lida e estudada por milhões de pessoas ao redor do mundo.
Apenas a King James é considerada texto inspirado por vários grupos. Esses grupos são conhecidos como King James Only. Essa doutrina é considerada uma heresia chamada Ruckmanismo.
11. Study Notes/A - Apologética & História/086. Peter Ruckman
Movimento dos Irmãos e atualidade (1867 - hoje)
No Reino Unido, John Nelson Darby foi um líder do Movimento dos Irmãos (Plymouth Brethren). Darby era um erudito em grego e hebraico, além de um renomado estudioso da Palavra.
Foi também nesse período que começaram a ser publicados manuscritos antigos do NT que apresentavam diferenças em relação ao texto de Erasmo. Parte dos estudiosos que reuniam manuscritos antigos integrava também o Movimento dos Irmãos, com destaque para Tregelles.
Darby optou por realizar uma nova tradução do Novo Testamento, utilizando os manuscritos mais antigos que estavam à disposição. Embora ele tentasse aderir ao Textus Receptus, teve que reconhecer que, na maioria das passagens, o tipo-texto alexandrino parecia ser o original. Em 1867, Darby publicou sua tradução, acompanhada de notas de rodapé detalhadas que explicavam suas escolhas tradutórias. Essas notas seriam utilizadas pelo grupo que a Revised Version em 1881.
A princípio, a Revised Version enfrentou muitas críticas por ser uma revisão da King James, e apenas alguns líderes proeminentes a aceitaram. Dentre eles estão Andrew Murray, T. Austin-Sparks, Watchman Nee, [H.L. Ellison](https://www.wikiwand.com/en/H.L._H.L. Ellison Ellison"), F.F. Bruce e Clarence Larkin.
O texto crítico ganhou espaço no meio das denominações evangélicas de forma gradual, mas foi somente em 1984 que a King James perdeu sua posição como a bíblia mais vendida, com o lançamento da NIV (New International Version)[2].
Desde esse período, a descoberta de manuscritos antigos tem aumentado, evidenciando ainda mais a superioridade do tipo-texto alexandrino em relação ao bizantino.